sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Six (Maratona)



 

You used to captivate me by your resonating light
Now I'm bound by the life you've left behind
Your face it haunts my once pleasant dreams
Your voice it chased away all the sanity in me
♫ ♪

Acordei sobressaltado, a respiração e o coração acelerado. O sonho tinha parecido tão real, que por um momento quando olhei pro lado quase esperei vê-la ali deitada, linda como um anjo, quase pude ouvir sua voz me desejando um bom dia e o lindo sorriso que ela sempre dava quando me via, não importava a hora. Mas tinha sido apenas um sonho e nada mais, deixei meu corpo tombar de novo no colchão e fiquei ali encarando o teto do quarto enquanto meu coração se acalmava. Olhei no relógio na cabeceira da cama, ainda eram cinco da manhã, mais uma noite mal dormida, não me lembrava a ultima vez que tivera uma noite de sono descente, podia ter sido ontem ou séculos atrás, não fazia diferença.
Sabia que não conseguiria mais dormir, então me levantei e fui tomar um banho, tirar o suor do corpo. Fiquei mais de dez minutos debaixo do chuveiro, deixando a água fria correr por meu corpo e levar embora aquela sensação ruim. Como eu pretendia trabalhar para a nova campanha da JI em casa hoje, vesti apenas uma calça simples. Aproveitei que todos ainda estavam dormindo e sem fazer barulho fui até o quarto ao lado, entrando e encostando a porta.
Ontem eu perdera a compostura na frente de Demi quando a vi dentro desse quarto, o quarto que eu costumava dividir com Rachel. Não consegui me livrar de suas coisas depois que ela partiu, ao invés disso mudei para o quarto ao lado, deixei tudo aqui e tranquei a porta, como se isso pudesse manter a dor aqui dentro, bem escondida. Às vezes eu entrava aqui, como agora e ficava sentado olhando pra tudo, me lembrando, todos diziam que fazia mal, que eu devia me desapegar, deixar pra lá, mas nenhum deles tinha passado pelo que eu passei, nenhum deles sentiu a minha dor e eles não conseguiam entender como era difícil. Ela fazia mais falta do que eu era capaz de expressar e tinha um buraco dentro de mim no lugar que ela ocupara um dia, um buraco que eu não acreditava que dava para preencher novamente. Eu só precisava fechar os olhos para lembrar e ouvir o nome dela para me sentir completamente vazio.
__Papai?__ desviei os olhos do porta retrato com a foto do nosso casamento e olhei para a porta.
__O que está fazendo acordada há essa hora Manu?
__Eu tive um pesadelo__ ela sussurrou esfregando os olhos.
__Vem cá__ chamei estendendo os braços.
Ela veio até mim e eu a peguei no colo. Manuela deitou a cabeça no meu ombro e ficou olhando para foto na cômoda com atenção. Eu a abracei, para aliviar o vazio dentro de mim, ela era o motivo de eu acordar todos os dias, ela e Matthew. Apesar de eu não ser o melhor pai do mundo, de fazer um monte de coisas erradas, ela sempre me perdoava, sempre sorria ao me ver, me abraçava apertado e dizia que me amava... Fazia os dias valerem à pena.
__Sua mãe ficaria tão orgulhosa se pudesse ver a menina maravilhosa que você é__ sussurrei enquanto a embalava lentamente.
__Onde a mamãe está agora?__ ela perguntou.
__Está no céu, junto com as estrelas__ dei um beijo nos seus cabelos__ está cuidando de nós lá de cima.
__Ela vai voltar algum dia?
__Infelizmente não princesa, somos só nós agora.
Ela ficou quietinha no meu colo enquanto eu continuava a acalentá-la, e depois de um tempinho percebi que ela acabara dormindo. Com cuidado levei-a de volta para o seu quarto e a coloquei na cama, a cobrindo. Ainda fiquei um tempinho a observando a dormir, e quando saí encontrei Demi no corredor.
__Manuela já acordou?__ ela perguntou__ precisa de alguma coisa?
__Ela teve um pesadelo, mas já voltou a dormir, não se preocupe. Ainda tem uma hora antes de ela precisar levantar pra ir à escola.
__Tudo bem, vou ficar de olho.
Depois disso fui pro meu escritório trabalhar e fiquei por lá a manhã inteira. Ouvi quando Manuela e Matthew saíram para ir à escola e ouvi também quando voltaram muitas horas depois, mas continuei trabalhando. Era mais ou menos duas da tarde quando alguém bateu na porta, pensei que fosse Clarissa, que estava sempre vindo até mim para perguntar se eu precisava de alguma coisa, mas era Matthew, ele tinha um copo de refrigerante na mão e a mesma expressão de tédio de sempre.
__O que foi? Precisa de alguma coisa?
__A tia Sel e o tio Peter estão ai na sala querendo falar com o senhor__ ele avisou.
__Tudo bem, estou indo.
Sai da sala e o deixei lá sozinho enquanto ia até a sala ver o que Peter e Selena queriam comigo.
__O que fazem aqui?
__Boa tarde pra você também__ Peter zombou.
__Boa tarde__ murmurei__ o que fazem aqui?
__Vim trazer uns papéis pra você assinar, é urgente e como não vai pra JI hoje eu tive que trazer aqui__ Selena explicou.
__Porque não ligou?
__Que diferença faz?__ ela revirou os olhos__ pare de reclamar e assine logo.
__Eu só vim pelo passeio__ Peter deu de ombros se jogando no sofá.
Ignorei-o enquanto Selena me explicava do que se tratavam os papéis e mostrava onde eu teria que assinar. Era bastante coisa, e já estava com a mão cansada quando cheguei a ultima folha, foi quando ouvi um barulho estranho vindo do meu escritório e então gritos. Levantei-me correndo para ir ver o que era e encontrei Matthew, Manuela e Demi no escritório.
__O que aconteceu aqui?
Antes que qualquer um deles pudesse se explicar eu entendi. Os papéis que passei toda manhã estudando, tentando ter ideias para nova campanha, estavam espalhados pela minha mesa, como eu deixara antes de sair, mas agora estava tudo coberto com o refrigerante que Matt tomava anteriormente.
__O que...
__Foi um acidente__ Matthew disse de olhos arregalados__ eu sinto muito.
__Você derramou refrigerante no meu trabalho? Como... __ me aproximei da mesa, pegando os papéis na mão, estava tudo arruinado, manchado ou se esfarelando por conta do refrigerante__ eu passei a manhã inteira trabalhando nisso.
__Foi um acidente pai, a Manuela chegou correndo e esbarrou em mim, eu não...
__Quantas vezes eu já avisei para não entrar no meu escritório? Quantas vezes eu disse pra não comer ou beber nada aqui? É meu local de trabalho, não uma área de lazer, pra isso tem os outros cômodos da casa, que droga Matthew.
__Eu não fiz de propósito.
__Nunca é de propósito, você é um irresponsável, primeiro aquilo com a sua irmã e agora isso, quando é que você vai crescer e começar a agir como um adulto em? Quando vai criar responsabilidade?__ não sei bem como aconteceu, mas de repente estávamos gritando um com o outro, eu perdi completamente a cabeça. Demi pegou Manuela no colo, que nos olhava de olhos arregalados, assustada, ela tentou dizer alguma coisa, defender o Matt, mas eu não queria ouvir.
__Isso, jogue a culpa em mim como você sempre faz__ Matt revidou__ culpe todo mundo pelos seus malditos problemas, ou então vamos fechar os olhos e fingir que não acontece. É assim que você lida com tudo não é senhor Jonas? Você nunca escuta, você sempre é o certo, você sempre está acima de tudo, mas tenho uma novidade pra você, o irresponsável aqui não sou eu.
__Olha como fala comigo garoto, eu sou seu pai.
__É essa a sua resposta pra tudo não é mesmo? Eu sou seu pai__ ele resmungou em deboche__ se é meu pai, devia agir como tal então. Você é um idiota, alguém já lhe disse isso senhor Jonas? Aposto que não, compra o amor de todo mundo com seu maldito dinheiro não é? Eu não estraguei seu trabalho de propósito, mas agora acho que foi bem feito, quem sabe assim não abre a droga dos olhos e começa a ver que não é assim tão perfeito?
E ele saiu correndo da sala, empurrando Demi do caminho e também Peter e Selena que estavam na porta ouvindo tudo. Todos ficaram me encarando por um tempo, sem sabe o que dizer, eu estava tão nervoso que podia socar alguma coisa, mas respirei fundo para me controlar e conforme os segundos iam passando eu fui percebendo a besteira que eu havia acabado de fazer.
__Hum... Eu... Eu vou falar com ele__ Peter disse e saiu do escritório, indo atrás de Matthew.
__Você está bem?__ Selena perguntou.
__Não, não estou__ resmunguei irritado, jogando os papéis arruinados em cima da mesa no chão.
__Papai__ Manuela se esticou no colo de Demi em minha direção, querendo vir pro meu colo.
__Agora não Manuela, eu estou nervoso__ respirei fundo__ Demi, leva ela daqui por favor?
Ela concordou sem dizer uma palavra e se retirou do escritório levando Manuela. Deixei-me cair um minuto na cadeira.
__Eu sou tão idiota__ disse passando as mãos nervosamente pelo cabelo, se usasse um pouco mais de força poderia arrancá-los de tão nervoso que estava__ eu não sei o que estou fazendo Selena, eu sou um péssimo pai, é isso... Eu não presto.
__Você só estava irritado, passou o dia inteiro trabalhando nisso, tem razão de ficar nervoso, Matt vai entender.
__Não, ele não vai entender, não é a primeira vez que isso acontece, meu filho me odeia e com razão.
__Joe...
__Eu não consigo fazer isso Sel__ suspirei__ não sirvo pra ser pai, não sem ela.
__Não diga besteira__ ela revirou os olhos__ todo mundo erra, pare de choramingar e vá lá pedir desculpas pro seu filho.
__Eu não...
__Não estou te dando escolha__ ela me encarou séria__ foi um acidente, já passou. Ele estragou os papéis, você ficou nervoso, brigaram, agora peça desculpa e siga em frente, anda logo.
Concordei com um aceno de cabeça e fui. Não era a primeira vez que eu e Matthew brigávamos desse jeito, acontecia com muita freqüência, ele estava sempre me provocando e eu perdia a cabeça com facilidade, não importava o quanto eu tentasse ficar calmo. Eu tentava ser um bom pai, tentava ser compreensivo, mas nunca soube como lidar com ele, Rachel era que sempre resolvia tudo, ela tinha o dom de fazer tudo ficar bem com poucas palavras e um doce sorriso, ela me fazia ser melhor, mas agora ela estava morta e eu completamente perdido.
Subi as escadas as pressas, encontrei Demi e Clarissa saindo do quarto de Manuela e fechando a porta, as duas ficaram paradas ali no corredor me olhando, enquanto escutávamos as vozes de Peter e Matthew vindas do outro quarto.
__Matt, ele não fez por mal__ Peter estava dizendo__ só ficou nervoso, você sabe como ele é quando se trata do trabalho.
__Sei bem como é__ Matt respondeu alto, praticamente gritando__ o trabalho é super importante pra ele, mais que qualquer coisa, mais até que os próprios filhos. Não importa o que aconteça comigo contanto que ninguém atrapalhe o precioso trabalho dele.
__Você sabe que não é assim Matt, seu pai te ama.
__Às vezes não parece. Ele só tem tempo pro maldito trabalho, trabalho, trabalho, é isso o tempo todo.
__É a forma dele de se manter ocupado Matt, de esquecer dos problemas, de seguir em frente, se manter focado em alguma coisa importante faz ele se sentir melhor, você devia tentar entender... Ele perdeu a esposa, sente falta dela.
Demi e Clarissa se entreolharam com vergonha, mas ninguém ali se sentia pior do que eu. O pior era que eu sabia que Matthew estava certo, eu me preocupava demais com o meu trabalho, mas era o que Peter disse, manter minha mente ocupada com o trabalho me impedia de pensar nela, logo era mais fácil suportar o passar dos dias. No começo eu tentei, tentei continuar a vida normalmente, tentei não mudar, mas foi impossível.
A verdade é que eu olho pros meus filhos e vejo ela, penso nela, penso que ela não está mais comigo, lembro que era ela que me ensinava a cuidar deles e então acabo me afastando. Eu achei que guardar minha dor só pra mim seria o melhor pra todo mundo, mas acho que estava errado, o caso é que me acostumei a ser assim, segui por aquele caminho escuro e agora não conseguia encontrar o caminho de volta pra luz.
__Bom, tenho uma novidade pra ele__ Matt rebateu zangado__ ele não foi o único que perdeu alguém que amava. Ele perdeu a esposa e eu perdi a minha mãe, eu sinto falta dela também e quer saber de uma coisa? Eu preferia que ele tivesse morrido e não ela.
Aquelas palavras foram como um tapa na cara, ou um soco no estômago. Não achei que palavras pudessem machucar tanto.
__Vá embora por favor__ a porta do quarto se abriu e Matt e Peter me viram ali parado.
Nos encaramos em silencio por um momento, eu pensei em dizer alguma coisa, pedir desculpas talvez por ser um idiota, mas de que ia adiantar? O meu filho me odiava e eu acho que merecia isso. Abaixei a cabeça, lhe dei as costas e desci novamente as escadas voltando até a sala onde Selena esperava. Ouvi passos atrás de mim e logo Peter e Demi estavam também na sala.
__Você ouviu o que ele disse?__ Peter perguntou.
__Que ele queria que eu estivesse morto? É eu ouvi sim.
__Sabe que ele não falou sério não é mesmo? Ele te ama.
__Ele falou sério sim Peter__ eu discordei tristemente__ meu filho me odeia, porque sou um péssimo pai, eu sei que é verdade.
__Joe...
__Esqueça ok?__ o interrompi__ só... Deixa pra lá.
__Eu posso tentar falar com ele__ Demi disse de repente, falando pela primeira vez__ talvez eu possa fazê-lo se acalmar.
__Não vai adiantar de nada.
__Deixa ela tentar__ Peter insistiu__ quem sabe?
Eu apenas dei de ombros, se Peter não tinha conseguido nada, ela também não conseguiria, ela não conhecia Matt. Mas ela foi assim mesmo, pediu licença e voltou a subir as escadas, eu apenas me sentei no sofá e encarei as paredes. Eu queria que as coisas fossem diferentes, mas como podia dar ao meu filho o que ele queria? Como eu poderia ajudá-lo, tentar fazê-lo sentir-se melhor quando eu mesmo não me sentia bem, quando eu mesmo me sentia um lixo? Eu estava tão morto por dentro, tão vazio e não via como podia fazer alguém feliz se me sentia tão infeliz. Eu gostaria que fosse diferente, mas não era.
Fim do Capítulo

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