sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Eight (Maratona)



Anything that’s worth having
Is sure enough worth fighting for
Quiting's out of the question
When it gets tough gotta fight some more

Estava na minha sala tentando trabalhar, tentando focar os pensamentos nas tarefas, sem muito sucesso, quando Peter bateu na minha porta. Eu o evitei a manhã inteira, pois sabia bem o que ele falaria quando me visse, mas agora não tinha mais desculpas, então o deixei entrar. Ele chegou como quem não quer nada, sério, o que não é típico dele e se sentou em uma cadeira, me fitando com bastante atenção.
__Como está indo?__ ele perguntou fazendo um gesto na direção dos papéis na minha mão.
__Mostrei os desenhos que Matt me deu ao Charlie, ele adorou, disse que são perfeitos e quer usar as ideias no comercial.
Ele pegou um dos desenhos da minha mão e analisou por um momento.
__É realmente muito bom, ele tem muito talento__ comentou distraidamente__ ele já fez algum curso?
__É um talento natural, assim como a música, ele aprendeu tudo sozinho__ respondi soltando os papéis na mesa.
__Hum__ ele assentiu com a cabeça, eu sabia que ele queria dizer alguma coisa, mas estava se segurando__ foi incrível aquilo que a Demi fez ontem não é? Não sei o que ela disse pro Matt, mas funcionou, nunca o tinha visto arrependido de nada.
__Verdade__ concordei, foi realmente incrível, ela tinha feito ele me pedir desculpas, ele nunca fazia isso, pelo menos não sinceramente, mas percebi que ontem ele pareceu realmente arrependido e isso porque o errado na história era eu. Perdi completamente a cabeça com ele e me senti um idiota depois, porém o estrago já estava feito... Mas ela conseguiu, ela concertou.
__Você fez um bom investimento contratando ela__ Peter disse__ ela é realmente incrível.
__Porque você não fala logo o que veio dizer e para de enrolar Peter?__ perguntei já sem paciência__ sabe que odeio quando faz isso, se tem algo a dizer, diga, sabemos que vai fazer mais cedo ou mais tarde não importa o que eu pense.
__Tudo bem__ ele entrelaçou os dedos e se inclinou para frente, se apoiando na mesa__ é sobre você e o Matt, eu não queria falar nada porque sei que vai aborrecê-lo, mas depois do que houve ontem, eu preciso dizer, como seu amigo.
__Diga o que tem que dizer Peter__ o incentivei, eu sabia que me irritaria com o que viria a seguir, mas também sabia que ele só falava porque se preocupava comigo.
__É sobre essas brigas de vocês dois. Vocês são pai e filho, não está certo que fiquem gritando um com o outro, lançando insultos e se evitando por dias.
__Você acha que eu gosto disso?
__Não acho nada, mas sei que você não faz nada para mudar isso__ ele disse__ Joe, desde que a Rachel morreu você está diferente, sei que já me ouviu dizer isso milhares de vezes, mas é que a cada dia me preocupo mais com você. Já são três anos, em alguns meses vai fazer quatro anos que ela se foi, mas às vezes parece que quem morreu foi você e não ela.
__Uma parte de mim morreu com ela.
__Isso__ ele apontou pra mim__ é isso. Você parou de viver cara, você mudou. O Joe alegre, o meu melhor amigo que gostava de piadas e de dar boas risadas desapareceu, você anda sempre triste por ai, não sorri, você não está feliz e isso afeta não só você, mas todos as sua volta, todos que se importam com você. É só olhar pro Matt, de onde você acha que vem essa rebeldia dele? Acha que é só saudade da mãe? É você Joe, as suas atitudes estão transformando ele num garoto diferente e logo vai afetar a Manuela também.
__Está querendo dizer que eu faço mal aos meus filhos, é isso?__ o encarei incrédulo.
__Me perdoe à sinceridade, mas é isso mesmo que estou dizendo__ concordou sem exitar__ você... Você deixou de viver cara. Eu sei que sente falta da Rachel, que a morte dela o entristece, mas ela morreu e você não... Você está vivo, tem que viver.
__Você acha que eu não tento?
__Acho que não__ ele negou descaradamente__ acho que você se acomodou e não faz o menor esforço pra mudar, que se afundou tanto na sua dor que se esqueceu de viver e agora parece mais um zumbi andando por ai do que uma pessoa. Você já parou pra pensar Joe? Nunca reparou nesses três anos o que vem acontecendo?
__Você não entende...
__Você sempre diz isso__ ele me interrompeu__ você tem razão, eu não entendo. Não espero um dia compreender o tamanho da sua dor, mas acho que isso não justifica tanta agonia. Joe, eu me importo com você, eu te amo, você é como um irmão pra mim, pode ficar com raiva de mim pelas coisas que eu disse, pode me odiar, me expulsar da sua sala, me xingar, o que quiser, mas é verdade. Você precisa acordar, precisa ao menos tentar... Se você ao menos tentasse.
__Tentasse o que?
__Ser feliz de novo__ ele murmurou__ você tem lindos filhos, uma casa incrível, um bom emprego, amigos. É jovem, se ao menos abrisse um pouco os olhos, talvez pudesse até encontrar um novo amor e...
__Não__ eu o interrompi imediatamente__ não... Ninguém pode substituí-la.
__Não quero que você a substitua__ Peter disse__ é isso que está errado, você não quer arrumar um novo amor porque acha que ninguém no mundo vai ser igual a ela, e está certo, não tem outra Rachel, não dá pra substituí-la, não é isso que você precisa. Você precisa encontrar outro alguém, alguém diferente, alguém que te alegre, que te fala sentir bem de novo.
__Eu não quero e não preciso de outra mulher Peter.
__Então não arrume uma__ ela deu de ombros__ se está melhor sem uma mulher, então não arrume outra, mas viva cara, abre os olhos, acorda pra vida.
Fez-se um silêncio então, nenhum de nós dois disse nada. Eu estava com raiva, queria socar alguma coisa, queria discutir com ele e dizer que estava errado, mas ai é que estava... Eu sabia que ele estava certo, que tudo que ele disse era verdade e por isso fiquei em silencio, uma parte de mim sabendo que eu realmente precisava mudar, que eu devia voltar a viver, a ser feliz, mas a outra parte insistindo que eu nunca poderia, que agora que Rachel estava morta eu nunca encontraria a parte que faltava em mim.
Já tínhamos tido aquela conversa uma vez, e eu tentei me libertar daquela dor, tentei seguir em frente e voltar a viver, tentei me apaixonar de novo, achar alguém que me fizesse sorrir, mas de nada tinha adiantado, aquilo só fez a dor ser pior. Era como se eu estivesse sufocando durante todo o tempo, um peso constante no meu peito que eu me deixei acostumar a sentir, e quando tentei respirar, quando tentei me livrar daquilo não consegui, só doeu mais... Eu me esqueci como se fazia para respirar. Eu queria muito, de verdade, mas não conseguia lembrar como.
__Eu sinto muito__ Peter sussurrou depois um longo tempo__ eu só quero o seu bem Joe.
__Eu sei disso__ respondi sem olhá-lo, senti meus olhos arderem mas não derramei uma lágrima, eu tinha me esquecido como se fazia isso também, chorar... Talvez por isso me sentisse tão vazio e sufocado ao mesmo tempo, porque não podia botar pra fora toda aquela dor.
Se eu ao menos pudesse fazê-lo entender, se algum deles conseguisse me entender, sentir o que eu sinto... Mas eles não podiam.
__Eu vou deixá-lo sozinho.
Eu nada disse enquanto ele se levantava e saía do escritório. Fiquei lá sentado olhando para o nada pelo que podiam ter sido segundos, minutos ou horas, até que Selena apareceu e me despertou novamente para o mundo.
__Vim em má hora?__ ela perguntou quando viu minha expressão.
__Não, está tudo bem__ me forcei a dar-lhe sorriso__ o que foi?
__Vamos ter uma festa aqui na JI daqui a três semanas__ ela disse__ para comemorar o aniversário da empresa.
__Sei disso, o que tem?
__Bem, temos muitos preparativos e você tem que aprovar algumas coisas__ ela explicou me estendendo uma pasta com muitas folhas e palavras que eu não tinha a menor vontade de ler naquele momento.
__Tenho que fazer isso agora?
__Bem, seria bom que fizesse o quanto antes, mas se está ocupado posso deixar para mais tarde, ou amanhã.
__Amanhã é perfeito, prometo que resolvo isso amanhã.
__Ok, e só pra lembrar, você vai precisar trazer uma acompanhante a festa__ ela sorriu de lado__ todos temos que ter acompanhante, principalmente você que é o dono e presidente da empresa. Precisa causar boa impressão. Eu posso achar alguém pra você, tenho muitas amigas e telefones de pessoas importantes que podem querer...
__Selena, não se preocupe com isso__ a interrompi__ eu arrumo uma acompanhante sozinho.
Eu sabia que se a deixasse cuidar disso, ia querer que minha acompanhante e eu tivéssemos algo a mais, era sempre assim, estavam todos sempre tentando me arrumar uma namorada. Se eu cuidasse disso sozinho poderia levar minha mãe, ou alguma pessoa que não passasse a noite toda dando em cima de mim descaradamente, era tudo que eu não precisava agora.
__Ok, você quem decide.
Depois disso, ela me deixou sozinho. Antes de Peter aparecer na minha sala eu já não conseguia trabalhar direito, depois que ele se foi então pareceu uma tarefa terrivelmente impossível, mas me obriguei a ficar no escritório o resto do dia. Quando fui para casa, Matthew estava trancado no quarto como sempre, Manuela já estava dormindo e Demi estava na cozinha conversando com Clarissa e Tânia.
Passei por elas com um simples boa noite e fui direto para o meu quarto. Joguei minhas coisas de qualquer jeito numa poltrona no quarto e tomei um banho demorado para espantar o mal estar do dia. Vesti uma calça de moletom para dormir e me joguei na cama, fechando os olhos e dormindo mais facilmente do que esperava.

* * * * * * * *

Acordei no meio da noite com alguém me chamando e me cutucando. Abri os olhos confuso, e a primeira coisa que avistei foi à luz do despertador na cabeceira da cama que indicava ser duas e meia da madrugada, depois avistei Manuela parada ao lado da minha cama. Forcei-me a espantar o sono e manter os olhos abertos e sentei-me para ver o que ela queria.
__O que foi Manu?__ esfreguei os olhos para espantar o sono__ o que faz acordada? São duas e meia da madrugada.
__Tem um monstro no meu armário__ ela disse assustada.
__Manuela, monstros não existem.
__Mas eu vi, está no meu armário__ ela insistiu__ posso dormir com você?
Era só o que me faltava agora. Manuela vivia vendo monstros no quarto dela, dentro do armário, debaixo da cama, e não importava o que eu dissesse, nada a fazia acreditar que monstros não existiam e ela só voltava a dormir se fosse comigo do lado. O problema era que ela não dormia quieta, tinha um sono agitado e o resultado disso é que quem não dormia no fim das contas era eu. E eu tinha um dia cheio de trabalho no dia seguinte para ficar acordado o resto da noite assim.
__Vem cá Manu__ peguei ela no colo__ você já está bem grandinha para ter medo de monstros, essas coisas não existem.
Sai com ela do quarto e quando estava no corredor Demi apareceu, esfregando os olhos para espantar o sono.
__O que aconteceu?__ ela perguntou.
__Tem um monstro no meu armário__ foi Manuela quem respondeu__ não quero dormir sozinha.
__Ela quer dormir comigo__ expliquei__ mas não consigo dormir com ela do lado e eu tenho que acordar cedo amanhã.
Demi pensou no assunto por um instante, olhou na direção do quarto de Manuela e então sorriu.
__E se espantarmos o monstro?__ ela disse__ mandamos ele embora e você pode voltar a dormir.
Eu a olhei como quem pergunta o que ela estava fazendo, mas ela se limitou a pedir que eu a seguisse. Manuela não queria me largar de jeito nenhum, então tive de carregá-la até o quarto para ver o que Demi pretendia fazer. Ela ascendeu à luz e caminhou até o armário, abrindo as portas e mexendo em todos os cantos como quem procura alguma coisa, Manuela só observou desconfiada.
__Viu só? Não tem monstro nenhum__ Demi disse sorrindo__ acho que ele já foi embora, está tudo bem.
__Ele pode voltar__ Manuela disse.
__Não se agente bloquear o caminho dele.
Demi fechou a porta do armário e pegou uma cadeira que tinha no canto do quarto, a colocando na frente da porta do armário, bloqueando a maçaneta e impedindo que a mesma fosse aberta.
__Viu? Agora ele não pode mais passar, está preso.
Manuela encarou a porta por um tempo, ainda parecia indecisa se acreditava ou não que aquilo pararia o tal monstro.
__Se eu cantar a sua música você volta a dormir?__ Demi perguntou.
Manuela assentiu balançando a cabeça e depois a deitando em meu ombro. Demi se aproximou de mansinho, e ainda sorrindo começou a acariciar o cabelo dela.
__Brilha lindo sol, brilha estrelinha, brilha linda flor, que amanhã é um novo dia__ ela começou a cantar__ voa passarinho, voa beija-flor, voa pelo céu, espalhando amor. Corre riozinho, corre para o mar, leva os peixinhos para passear. Dança bailarina, dança sem parar, com seus sapatinhos, sempre a encantar. Sorria, sorria princesinha, sorria que amanhã é um novo dia, cheio de amor, cheio de alegria. Sorria amanhã, amanhã é um novo dia.
Não consegui desviar os olhos de seu rosto enquanto ela cantava. Desde que Rachel morrera eu não ouvia aquela música, me incomodava ouvir qualquer pessoa cantando, porque de alguma forma parecia errado sem a Rachel. Mas algo naquela cena me fez sorrir, enquanto via Manuela adormecer no meu colo, com o dedo na boca, e Demi cantando para ela com um sorriso doce no rosto, me pareceu certo. Ela tinha uma voz bonita, e cantava com carinho, com doçura, ela não estava ali apenas pelo dinheiro que eu ofereci como salário, mas também porque gostava da minha filha, de um jeito que muitas pessoas mais próximas que ela não gostavam. E depois de quase quatro anos, eu gostei de ouvir aquela música de novo.
__Ela já dormiu__ Demi sussurrou despertando-me de meus pensamentos, não tinha percebido que a música tinha terminado e que eu tinha ficado parado ali olhando para ela, com os pensamentos distantes.
Deitei Manuela em sua cama e a cobri com cuidado para não acordá-la, depois eu e Demi apagamos a luz e saímos do quarto.
__Como faz isso?__ perguntei quando estávamos sozinhos no corredor__ toda vez que ela acorda dizendo que viu um monstro, não importa o que eu faça, ela não volta a dormir assim facilmente, só se aquieta se dormir comigo.
__Ela tem cinco anos, é uma criança__ deu de ombros__ dizer que monstros não existem não vai fazer o medo ir embora, precisa fazer ela se sentir segura.
__Uau, tem certeza que nunca teve filhos?
__Não tive essa sorte__ ela riu__ mas adoro crianças mesmo assim. Não é difícil, depois que aprende a lidar com elas.
__Sabe, eu acho que não te agradeci por ter me ajudado com o Matt ontem.
__Não foi nada.
__Foi importante pra mim. Eu não gosto de brigar com ele e se não fosse por você ele nem estaria olhando na minha cara agora, não sei o que foi que você fez, mas obrigado mesmo assim.
__Só fiz o meu trabalho__ ela sorriu timidamente pra mim, eu não sabia dizer o que era, mas tinha algo de diferente nela, algo de incomum. Parecia que eu tinha mesmo acertado ao contratá-la como babá.
__Boa noite Demi.
__Boa noite.
Ela voltou pro seu quarto e eu ainda fiquei um tempinho parado ali no corredor, pensando em tudo e em nada ao mesmo tempo, até que o sono deu as caras de novo e voltei para o meu quarto.
Fim do Capítulo

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